A PRÁTICA DO EDUCADOR SOCIAL COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE RUA
A abordagem que se encontra neste artigo é no mínimo peculiar aos educadores sociais.
O advento da Constituição de 1988 possibilitou que os brasileiros se tornassem cidadãos com direitos e deveres escritos em lei, mas o fato de estarem no papel não garantiu que fossem efetivados realmente, o que dentre outros efeitos nefastos, aumentou ao longo dos anos a população pobre e miserável do Brasil e em conseqüência o número de crianças e adolescentes que abandonam seus lares para viverem nas ruas das grandes cidades.
Na interação cotidiana construída entre educador social e criança e adolescente em situação de rua se estabelece à vivência/promoção de uma rede de conhecimentos, valores e princípios que propiciam momentos singulares no processo de reintegração e ressocialização da população infanto-juvenil.
Portanto, a atuação do Educador Social de rua se dá num contexto de acirramento da questão social com o crescimento da pobreza, da marginalidade e da violência buscando fundamentalmente a construção de um projeto histórico, no qual crianças e adolescentes podem sonhar e desejar uma nova vida e a conseqüente saída da rua.
Os educadores sociais, embasados na pedagogia social realizam abordagens junto às crianças e adolescentes que na maioria das vezes apresentam vínculos familiares rompidos e/ou fragilizados (socialmente, emocionalmente, espiritualmente e financeiramente).
2 EDUCAÇÃO BANCÁRIA X EDUCAÇÃO PROBLEMATIZADORA
A atuação do educador social de rua sobre a realidade de vida dos meninos e meninas de rua se externa através de ações educativas, que podem ser diferenciadas de acordo com a maneira pela qual se realizam. Neste processo se destacam duas concepções opostas de educação, caracterizadas a partir da relação entre educação e o processo de humanização descrita por Freire citado por Gadotti (1989):
Na concepção bancária (burguesa), o educador é o que sabe e os educandos, os que não sabem;
o educador é o que pensa e os educandos, os pensados;
o educador é o que diz a palavra e os educandos, os que escutam docilmente;
o educador é o que opta e prescreve sua opção e os educandos, os que seguem a prescrição;
o educador escolhe o conteúdo programático e os educandos jamais são ouvidos nessa escolha e se acomodam a ela;
o educador identifica a autoridade funcional que lhe compete, com a autoridade do saber, que se antagoniza com a liberdade dos educandos, pois os educandos devem se adaptar as determinações do educador;
e, finalmente o educador é sujeito do processo, enquanto os educandos são meros objetos. (FREIRE apud GADOTTI, 1989, p.9)
Nesta concepção o educando é concebido como ser passivo do processo de educação, destituído de qualquer saber, dependente do conhecimento transmitido pelo educador. A educação torna-se ato de depositar onde os educandos são recipientes e o “saber” uma doação do educador. Neste caso valoriza-se mais a sonoridade da palavra do que a sua força transformadora.
Na concepção bancária, o educador se põe à frente dos educandos por meio de uma postura vertical. Assim, tem por finalidade manter a divisão entre os que sabem e os que não sabem, entre opressores e oprimidos, contribuindo para a manutenção dos valores da sociedade opressora. “[...] Eis aí a concepção ‘bancária’ da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los [...]” (FREIRE, 1987, p. 58). A cultura do silêncio e as contradições existentes são aspectos desta perspectiva na qual todos os homens acabam arquivados, pois o educando nesse modelo de educação abandona a crítica, a reinvenção, a busca inquietante, desafiante, o construir e o desconstruir da sua realidade. Tal rigidez impossibilita o conhecimento como uma conseqüência da busca.
A concepção bancária é um artifício em poder dos dominantes, pois sua intenção é transformar a mente dos educandos e não a situação que os aflige. Isso se manifesta nos direitos que se tornam favores e na busca por ajustá-los a sociedade perfeita, mudando sua consciência e tornando-os sociáveis.
A visão populista que dirige o Brasil há algum tempo faz com que os homens sejam enxergados como votos. Um homem é igual a um voto. Dessa forma difunde-se como senso comum que pelo fato de votarem, todos os homens são cidadãos.
Para Freire (2005)
[...] e aí se enraíza todo o problema, porque, de acordo com a pedagogia da liberdade, preparar para a democracia não pode significar somente converter o analfabeto em eleitor, condicionando-o às alternativas de um esquema de poder já existente. Uma educação deve preparar, ao mesmo tempo, para um juízo crítico das alternativas propostas, e dar a possibilidade de escolher o próprio caminho. (FREIRE, 2005, p.23)
Freire (1987) explica que os educandos não estão fora ou a margem da sociedade, mas que “[...] sempre estiveram dentro de uma estrutura que os transforma em ‘seres para outro’ [...]“. (FREIRE, 1987, p. 61)
Desta forma, a construção do mundo é processo em que educador e educando participam em conjunto, e ao invés de se tornar depósito o educando vai construindo o mundo em que vive à medida que se descobre responsável por sua história.
Não mais terá uma consciência compartimentada, moldada para receber depósitos como se fosse uma presa à mercê do caçador, mas possuirá um pensamento crítico, questionador e capaz de entender que “[...] somente na comunicação tem sentido a vida humana [...]” (FREIRE, 1987, p. 64), na troca de saberes e experiência, não na hierarquização. “[...] que o pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto na intercomunicação [...]“. (FREIRE, 1987, p. 64)
Essa concepção chamada de problematizadora se funda na relação dialógica entre educador e educando, onde ambos aprendem juntos, e o processo de saber é uma busca compartilhada.
Ao contrário da “bancária”, a educação problematizadora, respondendo a essência do ser da consciência, que é suaintencionalidade, nega os comunicados e existência a comunicação. Identifica-se com o próprio da consciência que sempre ser consciência de, não apenas quando se intenciona a objetos, mas também quando se volta sobre si mesma [...] já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de “transmitir” conhecimentos e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária” [...]. (FREIRE, 1987, p.67-8)
Na concepção problematizadora, o educador já não é apenas o que educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que ao ser educado, também educa. Nela o educando é concebido como sujeito do processo educativo, dotado de capacidade para transformar a situação que o aflige. Ao contrário do bancarismo, que pretende domesticar para adaptá-lo melhor a sua situação, facilitando o fortalecimento da sociedade opressora, a educação problematizadora se realiza como prática da liberdade, superando a contradição entre educador – educando.
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